Histórias Curativas: uma ponte para reestabelecer o equilíbrio emocional
- Bruna Machado
- 2 de mar. de 2021
- 7 min de leitura
1. O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
“A criança é como um grande órgão de sentido, ela assimila tudo o que acontece a sua volta”. (IGNÁCIO, 2014, p.14)
De acordo com IGNÁCIO (2014), durante o primeiro ano de vida a criança se desenvolve para o movimento ordenado até a conquista do ficar em pé. No segundo ano, a criança se descobre para a fala, no terceiro ano, com a chegada do ‘Eu’, a criança experimenta os primeiros sinais do pensar. Ao mesmo passo que suas habilidades físicas vão se afinando e, aos seis anos, com a troca dos primeiros dentes de leite, sela-se o fim do primeiro setênio.
Nesta fase, a criança não apresenta um pensar lógico ou abstrato, mas sim, um pensar caracterizado principalmente por imagens ou, em outras palavras, na fantasia infantil. Em verdade as imagens são o próprio ambiente da criança, que experimenta um estado de inocência onírica.
“Para uma criança o mundo imaginativo e espiritual poderia ser tão real quanto o mundo físico e cotidiano. As crianças parecem ter a habilidade de cruzar indo e voltando por essa ponte como borboletas.” (PERROW, 2010, p.25)
Esse estado de sonho que é a realidade da criança é ligação direta com a fonte, a espiritualidade, de onde jorram infinitas imagens primordiais, nutrindo-a com o que há de mais essencial da sabedoria humana. A vivência dos mitos, contos de fadas e outras histórias são conteúdos indispensáveis para a psique infantil. Essas imagens traduzem conceitos primordiais, a linguagem que compreende a criança, além de fortalecer e proteger o mundo interno em construção.
2. LINGUAGEM SIMBÓLICA
Por linguagem entende-se toda forma pela qual os seres humanos se comunicam, se expressam.
O símbolo compreende-se como uma das formas de representação oculta de uma ideia, um sentimento, um ser ou ainda um objeto.
A linguagem simbólica não é diretamente compreensível, podendo ser abstrata ou concreta utilizando-se de imagens, cores, sons, cheiros, objetos, brincadeiras, gestos, nos convidando a olhar para além delas.
O símbolo adquire significado a partir da vivência de cada ser, seu contexto, valores e cultura onde se insere. Sugerindo verdades àqueles que sabem ver e estão prontos a aprender, moldando-se de forma natural ao nível de consciência e a capacidade de entendimento de cada um.
Para STEINER (2014, p.14), “a atuação dos contos de fada na alma humana é primordial e elementar, pertencendo, pois aos efeitos inconscientes”. Por isso a necessidade de uma ponte entre o mundo consciente e o inconsciente.
Os temas recorrentes nos contos de fada se resumem na trajetória humana em direção ao seu aperfeiçoamento, ao encontro de si e de seu valor mais profundo, seus dons e sentido da vida. E é por meio da linguagem simbólica que os contos de fada abordam temas tão complexos como a jornada humana, de forma natural e artística.
E é no vasto e misterioso campo do inconsciente que as histórias atuam através do universo simbólico, liberando emoções aprisionadas e reestabelecendo o equilíbrio. Podemos tomar os mitos e contos de fada como base para o entendimento da atuação das imagens e posteriormente na construção de histórias curativas.
3. HISTÓRIAS CURATIVAS
“De acordo com a definição de curativo - restaurar a saúde; propiciar o equilíbrio; tornar pleno ou perfeito - as histórias terapêuticas podem ser descritas como aquelas que ajudam a recuperar o equilíbrio perdido ou recobrar o senso de completude.” (PERROW, 2010, p.67)
História terapêutica ou curativa é toda história que, através do encantamento, libera emoções represadas e as conduzem suavemente ao reequilíbrio físico, emocional e espiritual. As histórias curam quando encontram eco dentro de nós. Sentimos através de cada história a possibilidade de superação dos nossos desafios. A chance de vencermos os obstáculos, mesmo os mais difíceis, para enfim alcançarmos a harmonia.
As histórias sempre serão curativas quando conectam o ouvinte a uma dimensão fantástica onde a realidade e a fantasia se fundem, onde nossa mente racional descansa e nossa intuição nos guia até o antídoto, a medicina, a cura, dentro de nós mesmos. Para o adulto, é um estado de consciência, para a criança, o alívio de uma emoção intensa.
Na escola, a contação de histórias usada de forma regular e ritmada ajuda a fortalecer a concentração e ativa a imaginação das crianças. Podendo ser apresentada para mobilização de uma causa, como ecologia, alimentação ou mesmo introdução de um tema de estudo. As escolas Waldorf tem nas histórias uma fiel parceira das professoras desde o Maternal, seguindo pelo Jardim e anos subsequentes.
História e Comportamento
Uma história é um pedaço de narrativa, um conto de qualquer extensão, contado ou impresso, em prosa ou verso, de eventos fictícios ou não.
A palavra ‘comportamento’, em relação à criança, significa simplesmente um modo de agir. PERROW (2010) destaca que esses comportamentos podem ser tanto positivados (cooperativo, prestativo, participativo, cordial, confiável, honesto, etc.), como negativados (agressivo, desonesto, preguiçoso, desrespeitoso, ganancioso, irritante etc.).
Influências no comportamento de crianças
Muitos fatores podem influenciar o comportamento das crianças e são fundamentais para as investigações de todo tipo de comportamento como Idade e fase de desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional Individualidade (temperamento, personalidade etc.) Bagagem cultural , atendimento as necessidades básicas da criança: está com fome, frio, cansada)
Sabe-se que na primeira infância a base do aprendizado é a imitação. Desta forma, torna-se indispensável a avalição permanente sobre como nos comportamos diante das crianças. Determinados hábitos de comportamento do adulto influenciam diretamente a criança e podem contribuir para o aparecimento de comportamentos desafiadores.
Frequentemente, um comportamento difícil, problemático ou desafiador é mais do que uma perturbação ou irritação de curto prazo. Como vimos acima, existem muitos fatores que contribuem para o aparecimento de um determinado comportamento. Reconhecer que este comportamento é resultado de influências diversas contribui para que a investigação caminhe de forma individualizada e respeitosa.
4. O DESENVOLVIMENTO DO CONTADOR DE HISTÓRIAS
“A jornada de um contador de histórias é uma busca espiritual (...) alimentada pela imaginação as histórias podem ajudar-nos como adultos a arrançar nossas peles de lagarta e nos metamorfosear em borboletas e explorar os jardins da realidade oculta.” (PERROW, 2010, p.25)
Para que a história sustente o poder curativo é preciso alguns movimentos por parte do educador, a fim de refinar-se gradativamente na arte de contar histórias.
Longe de ser uma receita pronta, o que se sugere a seguir são práticas simples, mas que despertam e ampliam o olhar e o entendimento quanto às dimensões em que uma história atua.
Oferecer alimento para o pensamento imaginativo como ler histórias, romances de aventura, participar de um curso de contação de história ou de escrita, comparecer a sessões de contação de histórias, caminhar, observar a natureza, são algumas das indicações para abrir nossas pontes para a imaginação.
Haja visto que, frequentemente, nós adultos deixamos que nossa ponte para a imaginação apodreça. A prática de uma simples leitura matinal ou a escrita de um diário podem novamente restituir as estruturas e a vida longa de nossas pontes para a imaginação.
Ao contarmos uma história de boca, ou seja, uma história memorizada, compartilhamos a história de forma mais pessoal. O contador assim se conecta mais diretamente com seu público através de seus olhos, voz e gestos.
Ao lermos uma história temos a proximidade do sentar-se ao lado, ou em um semicírculo ou, para crianças bem pequenas, o colo. E também é possível trocar olhares eventuais, mas fundamentais, com as crianças a fim de manter a conexão. Tanto ler quanto contar são modos importantes de se utilizar as histórias e o educador pode escolher quando e porque utilizá-las.
Para tanto, a preparação para contar ou ler uma história é parte fundamental para o educador que deseja que utilizar o poder das histórias. Muitas são as formas de se preparar e cada educador desenvolverá a sua.
Histórias diferentes para idades diferentes
Embora as histórias não possam ser colocadas em categorias fixas, podemos orientar a escolha das histórias ao olharmos para as fases de desenvolvimento e os elementos que constituem o aprendizado daquela fase.
Antes mesmo do bebê nascer já narramos histórias através dos acalantos, das cantigas de ninar, e se estende aos primeiros anos. A suavidade das melodias e palavras simples, pequenos toques, movimentos, gestos fazem a conexão com os bebês, além de alimentar uma relação saudável entre a criança e quem cuida dela.
Crianças com idade a partir de dois anos e meio se divertem com jogos, brincadeiras de dedos e rimas. Músicas que desafiam suas habilidades, rimas mais detalhadas que falam das partes do corpo, brincadeiras e histórias com gestos são muito divertidas e oferecem prazer para as crianças desta idade.
Ao avançarmos nas idades o nível de complexidade também avança. Assim, as crianças de 3 a 4 anos já são capazes de absorver rimas mais complexas e repetição na forma de histórias cumulativas.
Para as crianças de 4 a 6 anos, a sugestão são os contos de fada que contém desafios maiores e mais detalhes a serem acompanhados. As histórias em geral devem conter alegria, sem muito sofrimento e um final feliz. Esses são elementos importantes para uma alimentação anímica saudável.
Já crianças de sete anos gostam e se beneficiam muito com histórias de crescentes desafios, com personagens que tem uma experiência pessoal de sofrimento e tristeza e a confrontação com o mal pode ser mais forte e mais desafiante; as reviravoltas ao longo do enredo contribuem para a tensão crescente que será liberada com um final feliz.
Um modelo de construção para escrita de histórias
Para a criação de histórias é importante compreender a estrutura onde ela se fundamenta. Basicamente a história é composta de metáfora, enredo e resolução.
Metáfora significa ver uma coisa como outra ou ainda descrever traços de caráter, demonstrada pela palavra ‘como’. A metáfora pode desempenhar papéis negativos, como obstáculos, tentações; ou positivos, como ajudantes, guias, que reestabelecem a integridade.
Metáforas de obstáculo é a metáfora que representa o comportamento desafiador.
Metáfora de ajuda representa o que pode ajudar a reequilibrar o comportamento.
O enredo compreende a parte estrutural da construção da história, é a sucessão de acontecimentos que constituem a ação. A tensão gerada pelo conflito do enredo é normalmente criada através do envolvimento das metáforas de obstáculo e a solução das metáforas de ajuda.
Rimas, repetições e acumulações são exemplos de construção de tensão no enredo.
A resolução é o meio pelo qual se decide uma situação ou questão. É a restauração do equilíbrio da harmonia. Em outras palavras, é a cura para a situação ou comportamento.
Finais felizes e esperançosos
O bem triunfando sobre o mal é um tema muito profundo nos contos de fadas e contos populares, e para as crianças do primeiro setênio é imprescindível que isso seja fortalecido. A fim de nutri-los com a força do bem e principalmente inspirá-los ao bem.
REFERÊNCIAS